O tom da vida
José saíra da cidade natal aos 39 anos como tantas vezes havia feito para tentar e curtir a vida. Dessa vez, a saída teve um gosto diferente. Um gosto amargo, de contrariedade.
– Não sei onde estava com a cabeça –, concluíra depois de alguns meses na nova cidade. Atribuíra o que chamara de devaneio à ruptura repentina do seu laço maternal.
Havia sido pego de surpresa com a notícia de que sua mãe Elis estava de malas prontas e passagem comprada para o exterior onde iria passar uma temporada com a filha caçula, mãe de primeira viagem.
Elis estava na expectativa de ver e abraçar a nova netinha; José, nem tanto. Junto com a nova sobrinha, viera a distância da mãe, que fizera seu mundo interno desmoronar.
Apesar das suas idas, vindas e partidas, José sempre podia visitar Elis onde ela estivesse. E aquela era a primeira vez que estavam morando juntos para cuidar um do outro.
No fim das contas, porém, ele já tinha perdido a mão do trabalho há tempos. Mal dava conta dos boletos; vendia o almoço para comprar a janta.
– Não vivia, sobrevivia –, costuma contar José sobre a própria sorte naquele período.
Aos finais de semana levava a mãe para passear ou jantar fora às custas de uma renda que já estava comprometida, acumulando dívidas e falando para si mesmo que daria conta de tudo.
Elis, que não podia mais trabalhar por causa da saúde, fazia alguns bicos em lanchonetes e restaurantes para ajudar nas contas domésticas e segurar as pontas.
Foi nesse cenário que a ausência da presença maternal fez cair o mundo de José. Ficara desolado.
Contrariado, se deixara levar pela multidão de conselhos dos irmãos de que a melhor coisa a fazer era sair da cidade natal e tentar a vida com o amparo da irmã Isabel em outro estado.
O sim não pensado de José foi o que fez a mãe Elis viajar em paz sabendo que o filho “estaria em boas mãos” ao lado da irmã.
Os dias que antecederam a viagem foram entregues aos amigos e à bebida, feito despedida de solteiro. Quase perdera o voo porque confundira o dia e horário.
Seus irmãos – os mesmos que se dispuseram a herdar e repartir entre si e as outras irmãs as dívidas de José –, com toda paciência e afeto o ajudaram a fazer as malas e a chegar ao aeroporto diante daquela surpresa incômoda.
Chateado, teve que cancelar mais despedidas que estavam marcadas e preparar tudo às pressas para a viagem.
Partiu. Chegou doente.
– A pressão dos últimos dias se manifestou no meu corpo –, pensara. Com o semblante fatigado e aborrecido, contou para a irmã Isabel e seu cunhado tudo que havia acontecido.
Os dias passaram e se recuperara. Arrumara um emprego, depois outro e outro até perder as contas de quantas oportunidades bateram na sua porta.
Pensava e falava o tempo todo em voltar para cidade natal, depois de reclamar do clima, do ambiente, do resfriado, do frio, do calor, do dia, da noite, da vida...
Com o tempo, se aquietara e decidira finalmente ficar, após refletir como seria a vida ao regressar ao passado que insistia em se fazer presente.
Tentar a vida, no entanto, parecia ter outro significado para José: facilidades. Ao menor sinal de dificuldade, desistia das chances que a vida lhe dava.
A essa altura já tinha completado 40 anos e, ainda assim, não parecia ter objetivos claros a alcançar.
Era como se não tivesse acordado para a realidade. Só pensava em meios de se estabelecer financeiramente – sem tantos esforços –, morar sozinho, curtir a vida e, quem sabe, conhecer um novo amor.
Mesmo naquela altura da idade, parecia ser esse o tom que continuaria dando para a sua jornada.
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